ASTROLOGIA E LITERATURA

# Autores e Simbologia Astrológica na Literatura Ocidental
## Introdução A astrologia – o estudo simbólico dos astros, planetas, signos do zodíaco e casas astrais – sempre exerceu fascínio e influência no imaginário ocidental. Não surpreende, portanto, que diversos escritores, do período clássico à contemporaneidade, tenham **incorporado conscientemente simbologia astrológica** em suas obras literárias. Este levantamento examina autores ocidentais (especialmente brasileiros e também figuras internacionais de língua inglesa, espanhola, francesa e portuguesa) cujas obras de romance, poesia, conto ou dramaturgia revelam **conhecimento direto de astrologia**, indo além de meras alusões superficiais. Organizado por períodos (séculos XVII, XIX, XX etc.), o estudo destaca para cada autor ao menos uma obra (com título e ano de publicação) em que se evidencia claramente a simbologia astrológica – seja na construção de personagens regidos por signos, na estrutura narrativa baseada em planetas, ou em referências explícitas a horóscopos e influências zodiacais. Sempre que possível, contextualiza-se o **uso astrológico dentro da obra**, ilustrando como tal simbolismo contribui para a visão de mundo ou a arquitetura do texto. O foco recai especialmente sobre **autores da literatura brasileira**, sem deixar de lado escritores internacionais de grande relevância crítica (traduzidos e lidos no Brasil). A seguir, por ordem cronológica, delineamos esses autores e obras, demonstrando a perenidade da astrologia como linguagem simbólica na literatura. ## Século I – Origens Clássicas da Simbologia Astrológica Literária A relação entre literatura e astrologia remonta ao mundo greco-romano. O **poeta Marco Manílio** (Marcus Manilius), que viveu no século I d.C., é autor do poema didático *Astronomica* (c. 10-20 d.C.), considerado o texto literário astrológico mais antigo que chegou até nós. Dividido em cinco livros, *Astronomica* apresenta um **verdadeiro manual de astrologia em versos**, explicando os signos do zodíaco, os planetas e as “casas” celestes. Manílio demonstra profundo conhecimento técnico – não apenas alusões mitológicas –, indicando já na Antiguidade clássica um uso consciente da simbologia astrológica na poesia. Essa obra influenciou tratados posteriores e figura como **precursora** da tradição de inserir saberes astrológicos em textos literários. ## Séculos XIV-XV – Astrologia na Literatura Medieval e Humanista Na literatura medieval, a astrologia integrou visões de mundo e estruturas alegóricas. **Dante Alighieri** (1265–1321), na *Divina Comédia* (escrita entre 1308-1321), constrói sua cosmologia poética baseando-se explicitamente na astronomia/astrologia medieval: o poeta organiza o Purgatório em sete terraços correspondentes aos **sete planetas clássicos** (da Lua a Saturno) – uma referência astrológica clara às influências planetárias sobre as almas que expiam os sete pecados capitais. Assim, a jornada de Dante pelo além reflete a ordem cósmica e a simbologia de cada planeta (por exemplo, Vênus associada à luxúria, Marte à ira, etc.), numa **arquitetura narrativa astrológica** evidente. Ainda no século XIV, o inglês **Geoffrey Chaucer** (c.1343–1400) demonstra conhecimento astrológico em *The Canterbury Tales* (c.1387-1400). Chaucer não apenas faz referências ocasionais – ele **assume que o leitor conheça noções básicas de astrologia** e incorpora essas referências na caracterização de personagens e no enredo. Por exemplo, no *Prólogo Geral*, Chaucer situa a peregrinação na primavera mencionando explicitamente a posição do Sol em Áries. Em *The Wife of Bath’s Prologue*, a personagem atribui sua disposição amorosa a Marte (“dura resistência”) e associa homens eruditos a Mercúrio. Ademais, Chaucer chegou a escrever um tratado sobre o astrolábio para ensinar astrologia a seu filho. Tais detalhes mostram **uso deliberado de simbologia astrológica** para moldar personalidades (Marte indicando bravos guerreiros, Vênus inclinando ao amor, Mercúrio à erudição, etc.). A presença de alinhamentos planetários influenciando destinos é notável em contos como *The Knight’s Tale*, onde deuses planetários (Vênus, Marte, Diana/Selene) regem o desfecho dos personagens – um claro reflexo da crença medieval em influências astrais. No final do período medieval/início do Renascimento ibérico, destacam-se autores peninsulares com interesses astrológicos. O rei castelhano **Alfonso X, o Sábio** (1221–1284) não foi literato de ficção, mas merece menção por haver patrocinado traduções de obras astrológicas árabes e compilado conhecimento astrológico e astronômico (Tablas Alfonsíes) – um legado que influenciou a literatura didática e a visão de mundo da época. Já na literatura espanhola do Século de Ouro, **Garcilaso de la Vega** (1501–1536) e **Fray Luis de León** (1527–1591) incorporaram referências astrológicas em poesias pastorais e místicas, indicando familiaridade com as “máximas” astrológicas populares no humanismo renascentista. ## Século XVI – Renascimento e Cosmologia Astrológica Durante o Renascimento, a linha entre astrologia e astronomia permaneceu tênue – ambos os saberes eram parte do **cosmos ordenado** que inspirava artistas e escritores. O poeta épico português **Luís de Camões** (1524–1580) evidencia tal integração em *Os Lusíadas* (1572). Nesta epopeia, Camões demonstra domínio do conhecimento astronômico-astrológico de sua época: no célebre episódio do **“Máquina do Mundo”** (Canto X), a deusa Tétis revela a Vasco da Gama um modelo do universo **geocêntrico ptolemaico**, com os astros e constelações. A visão cosmogônica camoniana mescla ciência antiga e crenças astrológicas medievais ainda vigentes no século XVI. Por exemplo, Camões alude às **“esferas” planetárias** movidas por inteligências celestes e às “crendices astrológicas” do seu tempo. Embora *Os Lusíadas* use principalmente mitologia clássica (deuses olímpicos) para intervir no destino dos navegantes, essa intervenção divina é coerente com a **ordem astrológica** do cosmos renascentista – Júpiter (associado à justiça) protege os portugueses, Vênus favorece a viagem, enquanto constelações (como a Ursa Maior e a Estrela Polar) são guias essenciais na narrativa. A presença da astrologia em Camões não é superficial: reflete o **saber enciclopédico do poeta** e a crença de que os astros influenciam tanto fenômenos naturais quanto as virtudes e fraquezas humanas na epopeia. Na Espanha, **Lope de Vega** (1562–1635) – gigante do teatro barroco – também era **conhecedor de astrologia** e inseriu alusões astrológicas em várias obras. Seus textos frequentemente mencionam “buena estrella” ou “mala estrella” determinando o destino dos personagens, refletindo um **determinismo astral** popular no período. Em alguns poemas e comédias, Lope chega a fazer *chistes astrológicos* (piadas astrológicas) para satirizar crenças do público. Por exemplo, em *Arcadia* (1598, romance pastoral) e na coletânea *Rimas* (1602), o autor insere versos satíricos sobre configurações astrais desfavoráveis, demonstrando ao mesmo tempo conhecimento técnico (como a regência de Marte sobre Escorpião) e ironia. Lope de Vega inclusive confeccionou horóscopos na vida real – escreveu uma série de oitavas em 1605 traçando o mapa astral do jovem rei Felipe IV, o que evidencia seu **domínio das técnicas astrológicas** e a importância cultural do tema mesmo entre literatos. Assim, Lope incorpora a astrologia tanto para **marcar o tempo cênico** (uso de previsões astrais para indicar cronologia em cenas) quanto para discutir, humoristicamente, o quanto nossos atos estariam “escritos nas estrelas”. Outro dramaturgo do Siglo de Oro que explorou a astrologia foi **Pedro Calderón de la Barca** (1600–1681). Em sua obra-prima *La vida es sueño* (1635), Calderón utiliza a astrologia como **motor do conflito central**: o rei Basilio, astrólogo e matemático, relata que “leu nas estrelas” o horóscopo de seu filho recém-nascido Segismundo, prevendo que ele se tornaria um governante tirano e cruel. Esse vaticínio astrológico leva Basilio a encarcerar o filho desde o berço, a fim de **evitar o destino previsto pelos astros**. A peça então desenvolve-se como uma reflexão sobre *determinismo astral versus livre-arbítrio*: Segismundo está condenado pelos astros a ser tirano ou pode escolher ser virtuoso? Calderón debate explicitamente a validade das previsões astrológicas – Basilio erra ao seguir cegamente os astros, e no desfecho Segismundo prova que a virtude pode triunfar sobre os desígnios do zodíaco. *La vida es sueño* representa, assim, um uso consciente da astrologia para **estruturar a trama** (a previsão astrológica inicia o enredo) e para discutir ideias filosóficas e teológicas (a liberdade humana frente ao destino) dentro de uma narrativa alegórica do Barroco espanhol. Também na França seiscentista, a astrologia foi tema de comédia. **Molière** (1622–1673) escreveu a peça *Les Amants magnifiques* (Os Amantes Magníficos, 1670) a pedido do Rei Luís XIV, incorporando um **astrólogo charlatão** como personagem. Na trama, o falso astrólogo Anaxarque engendra espetáculos astrológicos e horóscopos fictícios para impressionar a Princesa e manipular eventos amorosos. Molière usa essa figura para satirizar a crença excessiva nos astros na corte francesa – segundo o estudioso Georges Couton, a peça “faz o julgamento da astrologia” mostrando-a como embuste, através de Anaxarque. Apesar do tom cômico, a inclusão explícita de termos e práticas astrológicas (mapas natais, leitura de signos) indica que Molière dominava o assunto o suficiente para **caricaturar seus adeptos**. *Les Amants magnifiques* evidencia, portanto, um **uso consciente e crítico da simbologia astrológica** na dramaturgia clássica: a astrologia aparece como linguagem (evocando signos de Vênus, Marte, etc.) e como **tema central** a ser questionado perante a razão iluminista nascente. ## Século XVIII – Iluminismo e Sátira Astrológica No século XVIII, com o Iluminismo crescendo, a astrologia perdeu prestígio científico, mas continuou presente na literatura de modo satírico ou erudito. O romancista inglês **Laurence Sterne** (1713–1768) inclui em *The Life and Opinions of Tristram Shandy, Gentleman* (volumes publicados entre 1759-1767) uma memorável passagem de humor astrológico. No Volume IV, Sterne descreve de forma burlesca o horóscopo do reformador Martinho Lutero: “pela inspeção de seu horóscopo, com cinco planetas em conjunção simultânea no signo de Escorpião na nona casa… concluiu-se que Martinho Lutero não ligava um *stiver* para o assunto” (religião). Essa citação, com terminologia técnica (planetas *in coition* em Escorpião, casa 9 associada pela astrologia árabe à religião), mostra **conhecimento astrológico detalhado por parte de Sterne**, empregado para efeito cômico e irônico. Em outro trecho, o pai do narrador atribui os infortúnios de Tristram a ele ter nascido sob Saturno, lamentando uma “conjunção infeliz” no momento do parto. *Tristram Shandy* parodia a mania dos eruditos do século XVII por horóscopos, **brincando com a confiança exagerada nos mapas astrais**. Assim, embora Sterne escreva em pleno Iluminismo – época de ceticismo científico –, ele resgata a simbologia astrológica tradicional (signos, planetas, casas) como fonte de humor e também como intertexto cultural que seus leitores reconheceriam. Temos aqui um **uso literário consciente da astrologia como sátira**: ao exagerar a importância dada ao horóscopo de Lutero, Sterne convida o leitor ilustrado a rir da credulidade passada, ao mesmo tempo em que evidencia domínio dos conceitos astrológicos para poder caricaturá-los. Mesmo entre os iluministas franceses há exemplos notáveis: **Voltaire** (1694–1778), crítico mordaz da superstição, escreveu contos filosóficos onde astrólogos aparecem frequentemente como personagens cômicos ou enganadores – em *Zadig ou o Destino* (1747), por exemplo, os sacerdotes da Babilônia consultam os astros, apenas para que o sagaz protagonista mostre que a razão supera tais artes. Voltaire, portanto, usou a astrologia de modo crítico, mas **consciente de seu simbolismo**, refletindo o espírito da época de questionar a “leitura dos astros”. No final do século, o movimento romântico reacendeu interesse pelo oculto e pelo simbolismo esotérico – e, com isso, a astrologia voltou a insinuar-se na literatura, embora de forma mais mística. É o caso do poeta e artista inglês **William Blake** (1757–1827), que em seus “Poemas Proféticos” elabora uma mitologia pessoal integrando aspectos astrológicos (como correspondências entre planetas e órgãos dos sentidos humanos). Já o alemão **Johann Wolfgang von Goethe** (1749–1832) em *Fausto* (Parte I publicada em 1808) inclui uma cena em que Fausto, antes de conjurar o Espírito da Terra, contempla o símbolo do **Macrocosmo** – diagrama místico-astrológico – visualizando os signos do zodíaco e as forças cósmicas que o cercam. Esse momento representa a **harmonia do universo regido pelos astros** que atrai Fausto, exemplificando como autores do período romântico e pré-romântico empregavam a astrologia para significar a busca pelo conhecimento total e pela integração do humano ao cosmo. ## Século XIX – Romantismo, Ocultismo e Literatura No século XIX, apesar do predomínio da ciência positivista, diversos autores mantiveram vivo o interesse literário pela astrologia, muitas vezes associado ao **ocultismo** em voga no fin de siècle. Um exemplo evidente surge na literatura de língua inglesa: **Sir Walter Scott** (1771–1832) publicou o romance histórico *Guy Mannering; or, The Astrologer* em 1815. Nesta obra (conhecida em português como *Guy Mannering ou O Astrólogo*), Scott constrói a trama em torno do personagem-título, Guy Mannering, que é **astrólogo amador** e chega a traçar o horóscopo de um recém-nascido no início da história. A previsão do destino da criança (baseada na conjunção dos planetas) desencadeia conflitos e mistérios que permeiam o romance. A inclusão de um astrólogo como protagonista e a referência direta à prática de levantar mapas astrais em pleno romance de costumes indicam um **uso explícito da simbologia astrológica** na literatura romântica. Scott, embora céptico pessoalmente, retrata a influência cultural da astrologia no século XVIII (quando se ambienta a história) – por exemplo, mostrando como os nobres escoceses e ciganos atribuíam importância às previsões dos astros. *Guy Mannering* teve grande difusão (foi sucesso imediato de vendas em 1815) e certamente contribuiu para familiarizar leitores com termos astrológicos, ao mesmo tempo em que explorava o tema do destino versus esforço humano, caro ao romantismo. Na França, o interesse pelo esoterismo refletiu-se em alguns escritores. **Honoré de Balzac** (1799–1850), por exemplo, nutria curiosidade pelas “ciências ocultas” e em seu romance *Séraphîta* (1835) faz alusões à astrologia e ao zodíaco no contexto de uma trama mística sobre androginia e evolução espiritual. **Charles Baudelaire** (1821–1867), embora poeta simbolista, inclui no poema “Paisagem” a imagem de querer “dormir perto do céu, como os astrólogos” para melhor escrever suas églogas – um verso que revela a figura do poeta como observador dos astros, em alusão ao trabalho astrológico de decifrar significados ocultos. Tais exemplos mostram que mesmo nos **círculos literários sofisticados do século XIX** a astrologia permanecia um repertório simbólico disponível, seja para exaltar a ligação do homem romântico com o cosmos, seja para conotar mistério e destino. Destaca-se sobretudo o caso do irlandês **William Butler Yeats** (1865–1939). Yeats, importante poeta do simbolismo anglo-saxão e Nobel de Literatura (1923), esteve profundamente envolvido com ocultismo – foi membro da Hermetic Order of the Golden Dawn – e **praticou ativamente a astrologia**. Além de realizar mapas astrais, Yeats incorporou princípios astrológicos em sua obra literária. Seu livro em prosa *A Vision* (1925) apresenta um complexo sistema simbólico de ciclos históricos e personalidades, baseado nas fases da Lua e em equivalências planetárias – claramente inspirado na astrologia tradicional combinada a ideias teosóficas. Em seus poemas tardios, Yeats alude a idades astrológicas: por exemplo, “The Second Coming” (1919) evoca a imagem de um “leão com cabeça de homem” surgindo no deserto, que alguns interpretam como símbolo da entrada na Era de Aquário em substituição à Era de Peixes (Cristo) – uma leitura astrológica subjacente à metáfora do poema. Em cartas pessoais e manuscritos, Yeats discutia abertamente signos solares e ascendentes de conhecidos. Ou seja, **conhecimento astrológico erudito** permeou a produção de Yeats, que via nessa linguagem um repertório de símbolos arquetípicos para tratar de destino, história cíclica e personalidade. Ele ilustra como um autor canônico de língua inglesa **integrou conscientemente astrologia e criação literária**, o que tem atraído estudos críticos (como “W. B. Yeats: Poet and Astrologer” de Elizabeth Heine). No Brasil oitocentista, a literatura ainda engatinhava no tema astrológico. Os escritores românticos e realistas preferiram temas históricos, nacionais ou sociais, não havendo muitos exemplos conhecidos de uso explícito de signos ou planetas. Contudo, uma figura curiosa é o jornalista e humorista **Joaquim Manuel de Macedo** (1820–1882), que em crônicas satíricas fazia menção a horóscopos da Corte. Já no Simbolismo brasileiro (final do século XIX), que valorizava o misticismo, aparecem imagens astrais difusas – por exemplo, o poeta **Cruz e Sousa** (1861–1898) recorre a “estrelas, astros, zodíacos” como metáforas de estados da alma em alguns poemas, embora sem um sistema astrológico explícito. Assim, podemos considerar que só no século XX a literatura brasileira adotaria de forma mais sistemática a simbologia astrológica, como veremos adiante. ## Século XX – Modernismo, Misticismo e Astrologia na Literatura Brasileira e Mundial No século XX, especialmente na segunda metade, observa-se um ressurgimento do interesse pela astrologia na cultura popular e, consequentemente, **um aumento de autores que a incorporam conscientemente em suas obras**. Isso é notável tanto na literatura brasileira quanto em escritores de outras nacionalidades cuja obra foi traduzida e influenciou leitores no Brasil. Vários fatores concorrem para tal fenômeno: a difusão do esoterismo, o sincretismo cultural, a contracultura dos anos 1960-70, e uma perspectiva simbólica/psicológica (Jungiana) que validou os arquétipos astrológicos como ferramentas literárias. Começando por Portugal, o poeta **Fernando Pessoa** (1888–1935) é um caso emblemático de literato-astrólogo. Pessoa não apenas conhecia astrologia – **ele a praticava intensamente**, a ponto de considerar tornar-se astrólogo profissional. Produziu **centenas de mapas astrais**, incluindo de figuras históricas, amigos e até de seus próprios heterônimos. Esse conhecimento profundo transparece na obra literária. Pessoa criou o **heterônimo Raphael Baldaya**, supostamente um astrólogo que deixou vários fragmentos e ensaios astrológicos de sua autoria. Além disso, estudos recentes revelam que Pessoa escreveu uma série de **doze poemas zodiacais**, cada qual dedicado a um signo – possivelmente ligados à seção “Mar Portuguez” de *Mensagem*, embora não publicados em vida. Seu acervo contém 318 mapas astrológicos desenhados por ele, alguns com reflexões poéticas no verso das páginas. Por exemplo, sabe-se que ao estudar um planeta específico, Pessoa rabiscava versos inspirados naquele astro, evidenciando uma **fusão entre criação poética e simbologia astrológica**. Uma curiosidade notável: Pessoa chegou a levantar o mapa natal de seus principais heterônimos (Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos) – e constatou que em todos Mercúrio (planeta associado à escrita) caía na casa 8, ligada à transformação psíquica. Ou seja, até a heteronímia pessoana foi concebida levando em conta uma *mandala astrológica* que integrava os quatro elementos (Fogo, Terra, Ar, Água) por meio dos ascendentes de cada um dos “poetas” ficcionais. Embora a maioria desses detalhes astrológicos apareça em textos não literários (cartas, notas, horóscopos deixados nos baús de Pessoa), a sensibilidade astrológica perpassa poemas como “Isto” (em que ele dialoga com o infinito estrelado) ou o livro *Mensagem* (1934), que traz simbologias do Sebastianismo envoltas em misticismo cósmico. Fernando Pessoa é, sem dúvida, um autor de importância crítica cuja obra não pode ser inteiramente compreendida sem reconhecer o **substrato astrológico** presente em sua visão de mundo. Essa faceta tem atraído crescente atenção acadêmica, haja vista livros como *Fernando Pessoa – Cartas Astrológicas* (organizado por Paulo Cardoso) e estudos sobre “Pessoa e a astrologia”. Na Irlanda, já citamos W. B. **Yeats**, cuja prática astrológica impactou tanto sua poesia quanto sua dramaturgia. Yeats co-escreveu a peça *The Unicorn from the Stars* (1908) explorando símbolos esotéricos, e diversos poemas como “All Souls’ Night” referem-se a evocações astrais. Ele também é amplamente traduzido e lido no Brasil, influenciando poetas modernistas brasileiros que abraçaram temáticas místicas. Voltando-nos agora ao **Brasil no século XX**, vemos surgir escritores que adotam a simbologia astrológica de forma criativa e deliberada, em distintos gêneros: * **Vinicius de Moraes** (1913–1980) – célebre poeta e compositor – dedicou uma obra integralmente à astrologia. Em *A Mulher e o Signo* (1971, publicado em livro como *Um signo, uma mulher* em 1975), Vinicius escreveu **doze poemas**, cada qual traçando um perfil poético da “mulher de” cada signo do zodíaco. Por exemplo, no poema “Leão”, ele descreve a mulher leonina como alguém que “brilha na escuridão” e adverte: “Cuidado com a mulher de Leão! / ... Solares e dominicais... e muito liberais”. Esse conjunto de poemas astrológicos delineia as personalidades arquetípicas de Áries a Peixes, evidenciando que Vinicius não fazia um uso fortuito dos signos – pelo contrário, demonstra familiaridade com as características clássicas atribuídas a cada signo (as mulheres de Câncer maternais, as de Escorpião intensas, etc.). Os poemas foram inicialmente publicados em uma revista de grande circulação (Manchete) como presente de Ano Novo em 1971, indicando a popularidade do tema. Depois, compilados em livro, consolidaram-se como um exemplo de **poesia temática astrológica** dentro da literatura brasileira. Embora Vinicius considerasse esses versos menores dentro de sua vasta produção, o fato de um poeta de sua estatura ter voltado seu lirismo aos signos do zodíaco reflete o **diálogo entre cultura astrológica e alta literatura** no Brasil dos anos 1970. Vale notar que Vinicius, em sua vida boêmia, era ele próprio interessado em horóscopos, e esses poemas capturam um pouco dessa fascinação popular convertida em arte. * **Clarice Lispector** (1920–1977) – uma das maiores prosadoras brasileiras – surpreende ao revelar, em um de seus contos, uma autorreflexão astrológica. No conto “Dia após dia” (publicado na coletânea *A Via Crucis do Corpo*, 1974), a narradora (uma persona de Clarice) subitamente diz: *“Mas sou Sagitário e Escorpião, tendo como ascendente Aquário”*. Essa frase indica que a personagem (ou a própria Clarice, numa mescla autoficcional) conhece bem seu **mapa astral natal** – Sagitário como signo solar, Escorpião possivelmente como signo lunar e Ascendente Aquário – e acredita que isso influencia seu temperamento (“e sou rancorosa”, ela acrescenta, aludindo talvez à intensidade escorpiana). É uma inserção significativa: Clarice, conhecida por explorar profundamente a psicologia das personagens, aqui utiliza a linguagem da astrologia para **autodefinição de caráter**. A passagem confere verossimilhança e dimensão cultural à personagem – nos anos 1970, era comum no Brasil urbano discutir-se signos e ascendentes, e Clarice capta esse detalhe. Mais importante, ela legitima a astrologia como **ferramenta de autoconhecimento** dentro da literatura, em coerência com sua escrita introspectiva. Além desse conto, Clarice emprega símbolos astrais em outras obras de forma metafórica (como em *A Paixão segundo G.H.*, onde a protagonista medita diante do céu estrelado sobre o “zodíaco de sua existência”), embora *Dia após dia* seja seu uso mais explícito e factual da simbologia astrológica. * **Caio Fernando Abreu** (1948–1996) – contista e romancista gaúcho, expoente da geração pós-68 – é possivelmente o autor brasileiro contemporâneo que **mais profundamente integrou a astrologia em sua obra**. Caio era interessado pelo ocultismo em geral e deixou isso transparecer literariamente. Seu livro *Triângulo das Águas* (1983), vencedor do Prêmio Jabuti, é um conjunto de três novelas curtas (**“Dodecaedro”**, **“O Marinheiro”** e **“Pela Noite”**) **totalmente baseado na astrologia**. O próprio título *Triângulo das Águas* alude ao grande trígono de signos de água no zodíaco (Câncer, Escorpião, Peixes), e cada narrativa dialoga com elementos e simbologias astrais. Por exemplo, “Dodecaedro” remete às doze faces – uma provável referência aos **doze signos** ou doze casas; “O Marinheiro” traz imagética ligada a Peixes (o oceano onírico, sacrifício, transcendência); “Pela Noite” evoca o mistério escorpiano e as transformações sob a escuridão. Segundo estudos críticos, Caio Abreu fez um verdadeiro **“inventário astrológico”** em sua obra, utilizando os signos para estruturar personagens e conflitos. Além desse livro, diversos contos e cartas de Caio contêm menções a mapas astrais, alinhamentos planetários e influência de Saturno ou Vênus sobre os destinos dos protagonistas. Para o leitor familiarizado, isso enriquece a compreensão: Caio compôs personagens com traços marcadamente “arianos” ou “virginianos”, e entender o signo solar deles ilumina suas motivações. Tal estratégia narrativa pressupõe **conhecimento direto de astrologia** por parte do autor (que de fato estudava o tema) e convida o leitor a participar desse jogo interpretativo astrológico. Caio Fernando Abreu exemplifica, assim, a apropriação moderna da astrologia na literatura brasileira: não como algo esotérico isolado, mas integrado à tessitura psicológica e simbólica das histórias – uma camada adicional de significado que críticos vêm explorando (vide a dissertação *360 graus: uma leitura de epifanias – o inventário astrológico de Caio Fernando Abreu*). * **José Saramago** (1922–2010), escritor português e Nobel de 1998, embora não seja brasileiro, foi amplamente lido no Brasil e também fez uso consciente de simbologia astrológica em pelo menos um poema. Saramago publicou em 1971 o poema **“Signo de Escorpião”**, no qual reflete poeticamente sobre as características atribuídas aos nascidos sob Escorpião. Com apenas seis versos, o poema traz a voz do sujeito escorpiano que não encontra descanso nem fortuna, pois “assim ordena o signo; pagam-te os astros bem por todo o mal” (versos aproximados). Trata-se de uma meditação agridoce sobre o destino marcado pelo signo – possivelmente o próprio Saramago falava de si, já que ele nasceu em novembro, sob Escorpião. Estudos acadêmicos analisam as relações desse texto com a astrologia e indicam que Saramago o escreveu com **pleno domínio do simbolismo escorpiano** (intensidade, transformação, resistência). O poema saiu na coletânea *Os Poemas Possíveis* (1966) ou *Provavelmente Alegria* (1970) e mostra que até autores de altíssimo prestígio literário utilizaram a linguagem astrológica para expressar traços de personalidade e destino. A recepção crítica desse poema notou como Saramago se apropria de um discurso considerado “menor” (o horóscopo) e o eleva à dimensão universal da poesia, numa operação semelhante à que fez com provérbios e ditados populares. É outro caso em que **conhecimento astrológico é mobilizado conscientemente em literatura de alto nível**, reforçando a legitimidade do tema. * **Jorge Luis Borges** (1899–1986), escritor argentino venerado mundialmente e muito lido no Brasil, merece menção por seu diálogo sutil com a astrologia. Borges interessou-se por sistemas esotéricos (cabala, mitologias) e conviveu com o pintor/ocultista Xul Solar, que era astrólogo e chegou a reformular um zodíaco. Embora a obra borgiana não apresente horóscopos de forma explícita, ela está repleta de conceitos afins – o conto “A Biblioteca de Babel” (1941) concebe o universo como uma biblioteca infinita e aleatória, mas menciona que alguns livreiros acreditam que **as constelações determinam a sorte dos livros** nas prateleiras. Em seus poemas tardios, Borges refere-se a constelações como Arquétipos eternos; e numa entrevista chegou a brincar que confiava mais nas **serpentinas das estrelas** que nas linhas da mão. A influência de Borges e sua afinidade com a astrologia (mediada por Xul Solar) é tema do livro *Astrología y literatura. Diálogos cósmicos: Borges, Xul Solar, Pizarnik, Ocampo* (Lumen, 2022), que discute como ele e outros autores argentinos incorporaram *cosmovisões astrais* em suas criações. Assim, Borges entra nesta galeria como exemplo de autor internacional, canônico, **traduzido no Brasil e apreciado pela crítica**, cuja obra convida leituras sob a ótica astrológica – mesmo que ele a trate mais como um *saber simbólico de fundo* do que como elemento narrativo direto. Antes de concluir, vale citar que o interesse literário pela astrologia prosseguiu no século XXI. Autores contemporâneos têm retomado signos e mapas astrais em romances pop e produções independentes. No Brasil, jovens escritoras vêm publicando contos onde cada personagem representa um signo, ou romances “YA” mesclando romance e horóscopo (como *O Mapa dos Encontros*, 2021, de Isabella Mezzadri). Embora essas obras recentes possuam caráter mais comercial, elas confirmam que a astrologia permanece um repertório fértil. No plano acadêmico, estudos comparativos continuam a emergir – por exemplo, investigando a presença de estruturas astrológicas em narrativas modernas, ou reinterpretando clássicos sob essa lente arquetípica (há estudos relacionando os sete volumes de *As Crônicas de Nárnia* de C. S. Lewis aos sete planetas medievais, por exemplo). Tudo isso aponta para a **longevidade do diálogo entre astrologia e literatura**. Em suma, do poema didático latino que ensinava os segredos do zodíaco aos contos modernistas brasileiros repletos de símbolos astrais, a astrologia tem servido aos escritores ora como **metáfora do destino e da personalidade**, ora como **estrutura oculta** para compor narrativas, ora como **tema central a ser explorado ou criticado**. Os autores destacados – sobretudo os brasileiros do século XX – demonstram que o uso literário da simbologia astrológica pode enriquecer a caracterização psicológica, adicionar camadas de significado cultural e conectar a experiência humana individual à ordem cósmica universal. Abaixo, apresentamos uma tabela resumindo os principais autores, obras, datas e a natureza do simbolismo astrológico empregado em cada caso, para referência rápida. ## Tabela Resumo – Autores & Obras com Simbologia Astrológica | **Século** | **Autor** | **Obra (ano)** | **Simbologia Astrológica na Obra** | | ---------- | -------------------------------------------------- | -------------------------------------------------------------------------------- | ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- | | **I d.C.** | **Marco Manílio** | *Astronomica* (c. 10 d.C.) | Poema didático que ensina astrologia (signos, planetas, casas) de forma explícita. | | **XIV** | **Dante Alighieri** | *Divina Comédia* (1308–1321) | Estrutura cosmológica baseada nos 7 planetas clássicos; alegorias astrológicas nos níveis do Purgatório e Paraíso. | | **XIV** | **Geoffrey Chaucer** | *The Canterbury Tales* (1387–1400) | Referências frequentes a signos e planetas nos prólogos e contos; personagens definidos por influências astrais (ex: Marte para bravura, Mercúrio para erudição). | | **XVI** | **Luís de Camões** | *Os Lusíadas* (1572) | Cosmologia renascentista ptolemaica no canto final (“Máquina do Mundo”); uso de astrologia náutica e mitológica para simbolizar ordem do cosmos. | | **XVII** | **Lope de Vega** | *Arcadia* (1598) e poemas (ex: Horóscopo de Felipe IV, 1605) | Inserção de alusões astrológicas (boa/má estrela) e piadas envolvendo signos; indica conhecimento técnico dos regentes planetários. | | **XVII** | **Miguel de Cervantes** | *Los trabajos de Persiles y Sigismunda* (1617) | Romance bizantino com astrólogos personagens (Maurício e Soldino) que fazem previsões e revelam verdades ocultas via “judiciaria astrología”; debate ceticismo vs. saber astrológico na narrativa. | | **XVII** | **William Shakespeare** | *Rei Lear* (1606) e outras peças | Personagens discutem influência dos eclipses e estrelas nos destinos (Lear e Gloucester); referências astrológicas na linguagem (“star-crossed lovers” em *Romeu e Julieta*) demonstram crença popular da época. | | **XVII** | **Pedro Calderón de la Barca** | *La vida es sueño* (1635) | Trama centrada em previsão astrológica do horóscopo real (rei lê nas estrelas o destino do príncipe); confronto entre destino astral e livre-arbítrio humano. | | **XVII** | **Molière** | *Les Amants magnifiques* (1670) | Comédia-ballet que satiriza a astrologia por meio do astrólogo charlatão Anaxarque; cenas de leitura de horóscopo e “previsões” usadas como farsa cômica. | | **XVIII** | **Laurence Sterne** | *Tristram Shandy* (1759–1767) | Uso paródico de horóscopo: passagem descreve cinco planetas em conjunção em Escorpião na 9ª casa; astrologia empregada humoristicamente para explicar desventuras do protagonista. | | **XVIII** | **Voltaire** | *Zadig ou o Destino* (1747) | Conto filosófico com personagens que consultam astros; autor questiona a validade das previsões, expondo astrologia ao ceticismo iluminista (uso satírico). | | **XIX** | **Sir Walter Scott** | *Guy Mannering; or, The Astrologer* (1815) | Romance histórico centrado em astrólogo que traça horóscopos; título e enredo explicitamente astrológicos; explora destino vs. providência através de prognósticos zodiacais. | | **XIX** | **Charles Baudelaire** | *Les Fleurs du Mal* – “Paisagem” (1857) | Poema refere-se ao poeta morando “como os astrólogos” nos telhados; sugestão de que contemplar astros inspira a criação poética (uso metafórico da figura do astrólogo). | | **XIX/XX** | **W. B. Yeats** | *A Vision* (1925, tratado místico) e poesia simbolista (1900–1939) | Sistema simbólico baseado em ciclos astrais (fases da Lua) para explicar história e personalidade; manuscritos mostram prática de mapa astral e referências em cartas. Poemas aludem a eras zodiacais (ex: “The Second Coming” sugere transição astrológica). | | **XX** | **Fernando Pessoa** | *Mensagem* (1934) e **Cartas/fragmentos astrológicos** (publicados postumamente) | Poemas contêm símbolos do destino nacional ligados a astros; heterônimo astrólogo (Raphael Baldaya) escreve sobre signos. Pessoa criou mapas astrais de si e de seus heterônimos, influenciando estrutura multifacetada de sua obra. | | **XX** | **Vinicius de Moraes** | *A Mulher e o Signo* (1975, poemas publicados em 1971) | Coleção de 12 poemas, um para cada signo zodiacal, descrevendo arquétipos femininos de cada signo. Demonstração direta de características astrológicas (ex: mulher de Leão “ígnea, solar, liberal”) em linguagem poética. | | **XX** | **Clarice Lispector** | “Dia após dia” (conto em *A Via Crucis do Corpo*, 1974) | Narradora define-se pelos signos: “Sou sagitário e escorpião, ascendente Aquário”. Uso explícito de mapa natal para delinear personalidade da personagem (conhecimento técnico: sol, lua, ascendente). | | **XX** | **Caio Fernando Abreu** | *Triângulo das Águas* (1983) | Livro de contos estruturado em simbologia astrológica (título alude aos signos de Água); narrativa “Dodecaedro” referencia 12 signos. Simbolismo astrológico permeia enredos e epifanias dos personagens, requerendo leitura do zodíaco para plena compreensão. | | **XX** | **José Saramago** | “Signo de Escorpião” (poema, 1971) | Poema breve construído em torno do signo solar Escorpião; evoca traços astrológicos (intensidade, inquietude do escorpiano) e reflete sobre destino marcado pelos astros. | | **XX** | **Jorge Luis Borges** | *El Aleph* (1949) e outros contos/poemas | Influência astrológica indireta: referências a constelações e cosmologias místicas; associação de ordem bibliotecária infinita a um cosmos regido por acaso astral. Amizade com astrólogo Xul Solar influenciou temas de tempo cíclico e destino nas entrelinhas. | | **XX/XXI** | **Autores contemporâneos** (ex. Isabella Mezzadri) | *O Mapa dos Encontros* (2021) e ficções atuais | Romances e contos populares onde personagens ou capítulos representam signos do zodíaco; renovação da simbologia astrológica em contextos modernos (dramas pessoais, romance jovem). Embora de menor impacto crítico, mostram continuidade do tema. | **Observação:** A tabela privilegia autores de destaque crítico e obras já traduzidas ou lidas no Brasil, conforme solicitado. Evidencia-se, através dos séculos, uma linha contínua – ainda que sinuosa – de diálogo entre saber astrológico e criação literária. Em todos os casos listados, os escritores demonstraram conhecimento substancial de astrologia (terminologia, conceitos, mitos associados) e *empregaram esse saber de forma consciente e explícita* em suas obras, seja como arcabouço estrutural, seja na construção de personagens simbólicos, seja como tema de reflexão. ## Conclusão A presença da simbologia astrológica na literatura ocidental é rica e multifacetada, atravessando épocas e estilos. De **Manílio a Caio Fernando Abreu**, passando por Dante, Shakespeare, Pessoa e Vinicius, verificamos que os astros serviram ora como **metáfora do divino e da ordem cósmica**, ora como **chave psicológica para decifrar personagens**, ora como **alegoria do destino** ou mesmo como **alvo de crítica cômica**. O critério comum entre os autores abordados foi o **uso consciente e embasado**: não se trata de citações vagas a “estrelas” ou “horóscopos” triviais, mas de autores que dominaram, em alguma medida, o conhecimento astrológico de sua era e o traduziram em arquitetura literária. No caso específico da **literatura brasileira**, embora a adoção plena da astrologia tenha demorado (tornando-se mais evidente no século XX), quando ocorreu, fê-lo de modo brilhante – Clarice Lispector integrando mapa astral e psique, Vinicius poetizando os signos, Caio Fernando Abreu estruturando narrativas inteiras segundo o zodíaco. Isso reflete a permeabilidade da cultura brasileira às correntes esotéricas mundiais a partir do modernismo e mostra que nossos escritores souberam dialogar com essas simbologias universais. Além disso, a tradução e difusão de autores internacionais com temáticas astrológicas (Yeats, Borges, Saramago) no Brasil enriqueceram nosso repertório literário, estimulando novas leituras e criações. Para a crítica literária, o levantamento evidencia a importância de se reconhecer e analisar a camada astrológica em determinadas obras. Como argumenta Luis Miguel Vicente García, **não se pode compreender plenamente o pensamento medieval, renascentista e áureo sem entender o papel das ciências herméticas (como a astrologia) na tessitura da literatura**. O mesmo vale, guardadas as proporções, para obras modernas influenciadas pelo ocultismo. Leitores e estudiosos ganham em profundidade interpretativa ao identificar, por exemplo, que a estrutura de *Persiles* de Cervantes se alinha à *“cadeia do ser”* astrológica, ou que os heterônimos de Pessoa formam entre si uma mandala elemental perfeita. A astrologia, enquanto sistema simbólico ancestral, fornece à literatura **arquétipos, linguagem mítica e uma conexão céu-terra** que amplia o horizonte semântico das obras. Em conclusão, longe de ser uma curiosidade marginal, a simbologia astrológica tem sido uma constante fonte de inspiração e arquitetura para autores ocidentais ao longo dos séculos. Seja nos cantos de Dante, nos sonetos de Pessoa ou nos contos de Clarice, os signos e planetas iluminam a condição humana sob outra luz – a luz das estrelas. Como disse certa vez um astrólogo-personagem de Cervantes, *“Nenhuma ciência, enquanto ciência, engana; o engano está em quem não a sabe”*. Os grandes escritores **souberam** astrologia e fizeram dela arte – cabe a nós, leitores, decifrar esses mapas literários celestes com igual espírito de aventura e interpretação. **Fontes Pesquisadas:** * Alfonso, Yumary Entralgo. *Astrología y Literatura* – Revista Conexos (2015). – **Discute influência da astrologia em autores do Siglo de Oro (Cervantes, Lope) e além**. * Heine, Elizabeth. “W. B. Yeats: Poet and Astrologer” – *Culture and Cosmos*, vol. 2 n.1 (1998). – **Sobre o envolvimento de Yeats com astrologia e sua tradução em simbologia poética**. * Lage, Rodrigo C. “Literatura e astrologia” – Revista Philos (2019). – **Levantamento de escritores ocultistas (Pessoa, Yeats, Burroughs) e exemplos de obras literárias com astrologia**. * Fernandes, M. V. *Manílio: Astronômicas* – Dissertação USP (2006). – **Tradução comentada do poema *Astronomica* de Manílio, contexto do século I**. * Costa, Amanda L. *360 graus: epifanias – o inventário astrológico de Caio F. Abreu* – Diss. UFRGS (2008). – **Análise aprofundada do uso de astrologia nos contos de Caio Fernando Abreu**. * Dalla, Marcelo. “Fernando Pessoa – Astrólogo & Poeta” (Blog, 30/05/2025). – **Explora documentos astrológicos de Pessoa, horóscopos dos heterônimos e poemas zodiacais**. * Wikipedia (várias entradas): *History of Astrology* (trecho “Medieval writers…” sobre Dante e Chaucer); *Guy Mannering* (romance *O Astrólogo* de Walter Scott); *La vida es sueño* (contexto da profecia astrológica); *Tristram Shandy* (citação do horóscopo de Lutero); etc. * Lispector, Clarice. “Dia após dia” – in *A Via Crucis do Corpo* (1974). – **Trecho consultado online confirmando fala astrológica da narradora**. * Vinicius de Moraes, *Um signo, uma mulher* (1975). – **Poemas dos signos; referência a publicação original na revista Manchete em 1971**. * Saramago, José. “Signo de Escorpião” – in *Os Poemas Possíveis* (1966). – **Disponível na Fundação Saramago; analisado por Lage (2018)**. * Enciclopédia Britannica e outros compêndios críticos – **Contextualização de autores clássicos e seus interesses esotéricos**.

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