SUPERAÇÃO - UM CONTO DA VIDA REAL
HISTÓRIA REAL DE RODRIGO
Quem queria ter um gay ou viado na família? Aí eu fui convidado a me retirar da sapatilha. Eu virei um andarilho. A minha mãe biológica não pôde me criar. A minha avó paterna foi me buscar para cuidar de mim. E a minha mãe, né, que é assim... Eu chamei a minha avó de mãe, porque foi ela que me criou. O meu pai biológico sempre aparecia de vez em quando, sempre alcoolizado. “Você é um viado. Você me envergonha”, e me batia quando eu tinha dos 13 para os 14 anos.
Infelizmente, a minha mãe partiu no leito do hospital. No último dia, antes de falecer, durante uns 30 minutos, ela falou tudo o que tinha acontecido na minha vida. Acho que ela já entendia que eu ia ser homossexual por causa dos meus trejeitos. Nem se falava em homossexualidade naquela época. Ela disse: “Filho, você vai sofrer, você vai passar o inferno, você vai passar os diabos. Mas seja forte como a sua mãe. A força com que eu te criei seja a força da sua vida.”
Quando ela faleceu, eu virei um estorvo para a minha família. Eu virei uma pedra. Porque, de fato, quem queria ter um viado na família? Ninguém quis assumir aquela parte. Então fui convidado a me retirar dessa família. Dos 13 para os 14 anos, quando me dei conta, eu estava com uma mochila nas costas. Virei um andarilho. “Onde vou conseguir agora uma coberta? Como vou tomar banho? Como vou usar o banheiro?” Tudo isso veio na minha cabeça. Foi o inferno da minha vida. A droga, a bebida, a agressão física, o abuso. Eu tive que aprender a bater, tive que aprender a ser ligeiro. Tive que aprender a ser um gavião dentro de uma floresta para sobreviver.
Um dia eu não estava aguentando mais. Só água, frio e chuva. Frio e chuva. O estômago doía. Eu dizia: “Não vou aguentar, vou morrer”. Não encontrava nada, nem ração de cachorro para comer. No centro da cidade havia uma praia, com uma imagem de Iemanjá. Eu, com a boca seca e o estômago doendo, achando que ia morrer de fome, vi uma mulher fazendo uma oferenda. Ela batia palmas na beira do mar. Eu não entendi nada, mas achei interessante. Na verdade, me aproximei mais com a intenção de pedir alguma coisa: um dinheiro, um pão, qualquer coisa para matar a minha fome.
Ela disse que estava agradecendo uma bênção, uma graça que tinha alcançado da Orixá Iemanjá. Eu pensei: “Então ela faz milagre igual à Nossa Senhora Aparecida”, porque era isso que eu sempre ouvia desde criança. Ela falou: “Minha filha foi curada graças a ela.” Eu, tão ingênuo na época, confundi Nossa Senhora com Iemanjá e imitei tudo que ela fez. Vi ela batendo palmas, bati também. As velas que ela acendeu, eu apaguei e deixei só uma. A cesta que ela deixou, eu mexi. As flores que ela colocou, eu roubei, passei na minha cabeça e joguei dentro da água. Ajoelhei com muita fé: “Pelo amor de Deus, Nossa Senhora, meu Israel, não aguento mais passar fome. Eu não sei por que estou nessa situação. Não fiz mal a ninguém. Fui jogado na rua, abandonado pela família. Já apanhei... Só não me deixa morrer assim, meu Senhor!”
Havia uma senhora que gostava de mim e sempre me doava alguma coisa. Era longe, uma grande caminhada, mas era a minha esperança, porque ela nunca me tratava mal. Então fui até lá, ver se tinha algum resto, uma marmita, qualquer coisa para comer. E foi dali que veio o primeiro milagre da minha vida. Essa senhora olhou para mim e disse: “Você sabe fazer faxina?” Fiquei tão impressionado, porque ela me deu a chance. Fiz a faxina com tanto capricho que tudo ficou brilhando. Ela ficou impressionada. Não quis desperdiçar esse talento. Nem eu nem meus amigos esperávamos. Ela me levou direto para uma pousada. Tomei um banho de chuveiro, dormi numa cama, ganhei um prestobarba. Eu virei gente.
Foi a minha primeira profissão: faxineiro. Devagarzinho, comecei a sair da rua. Consegui alugar um cômodo, que na época era bem baratinho, uns 90 reais. Ficava no mesmo terreno da casa de uma mãe de santo. Virei vizinho dela. Todo dia de manhã, eu a via jogando água nas plantas. Um dia perguntei: “O que é isso?” E ela respondeu: “É uma religião chamada candomblé. A gente faz festa para os orixás.” Ali eu decidi: “Essa é a minha casa, eu nasci para ser do orixá.”
Passaram-se os anos da minha vida. Chegou a hora em que a solidão começou a me matar. Eu tinha a minha família de santo, mas de segunda a sexta. Sexta à noite, sábado e domingo, eu estava sozinho em casa, escutando música. Isso começou a me deprimir. Eu me ajoelhava, pedia para o meu santo e para as minhas entidades me trazerem uma luz. E aconteceu.
Foi outro milagre: meu esposo. Conheci pelo Facebook, num grupo de amigos em comum. Mandei uma mensagem inbox. Ele respondeu: Felipe. Ele entrou na minha vida como um furacão de graça. Fez eu voltar a ser um ser humano digno de novo. Eu vi que tinha alguém para almoçar no domingo, para passear no shopping, para tomar um suco no parque. Quinze dias depois, eu disse a ele: “Vamos morar juntos?” Ele respondeu: “Vamos.” Eu pensei: “Gente, ele é mais doido que eu.” Ele chegou com uma mochila e falou: “Vim morar com você.” Eu perguntei: “Você está falando sério?” Ele respondeu: “Foi o santo que disse que é para a gente morar junto.”
A gente conseguiu alugar um espaço num bairro rural da cidade. Foi ali que construímos nosso primeiro terreiro de candomblé. Assim nasceu o pai Rodrigo. Maria Padilha também faz parte desse milagre da minha vida. Porque a nossa filha, Maria Padilha das Sete Cruzes, incorporada na gira, nos disse: “Vocês cresceram muito, prosperaram muito, se tornaram dois grandes pais religiosos. Agora é a hora de terem a raiz da vida de vocês.” A gente não entendeu direito, mas ela falou: “Vou dar um grande presente eterno para a vida de vocês.”
Foi a surpresa mais maravilhosa da nossa vida: a nossa filha. Em homenagem a Padilha, eu dei a ela o nome de Maria Padilha. Logo depois surgiu a oportunidade, judicialmente falando, da adoção. Foi tudo muito rápido. Fomos conhecer a Mariah no hospital. Ela já veio para os nossos braços. Agora, em julho, ela completa três anos.
Ter uma família é o grande alicerce da vida. Hoje eu tenho esse alicerce. Tenho uma esposa, tenho minha filha, tenho minha sogra, tenho meus filhos de santo. Ontem eu não tinha nada. Ontem eu só tinha a brisa que batia no meu rosto. Hoje eu tenho tudo.
Rodrigo
[POR FAVOR, ME AJUDE A FAZER com que esta história chegue Às mãos de um produtor ou diretor de cinema. obrigado. conheço o autor]
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